O perigo Invisível: Pesquisa do NIPI da UFC em Crateús revela que a poluição no Rio Poti ameaça a saúde dos peixes e eleva o risco de câncer em humanos pelo consumo.
A utilização cada vez maior de pesticidas na agricultura, especialmente de triazinas e organofosforados, é um alerta quanto aos seus efeitos nos ecossistemas aquáticos, principalmente se levarmos em consideração a influência das mudanças climáticas, como o aumento das temperaturas e escassez de chuvas no município de Crateús no Interior do Ceará nos últimos 10 anos. O enfrentamento da seca pelos sertanejo na busca pelo alimento associada aos desafios do controle de pragas na agricultura induz o uso de pesticidas e plantio cada vez mais perto das margens do rio Poti o que facilita o transporte destes contaminantes para o leito do rio afetando a vida aquática, em especial, os peixes.
Diante dos relatos dos moradores, do distrito da Ibiapaba, em 2023 foram encontrados peixes com alterações nos olhos e, em busca de respostas, a UFC de Crateús em parceria com o Laboratório de Avaliação de Contaminantes Orgânicos (LACOR) do Instituto de Ciências do Mar (LABOMAR-UFC) iniciou os estudos em agosto de 2024. Os resultados começaram a ser divulgados em abril de 2025 com identificação e quantificação de poluentes emergentes e persistentes nos músculos dos peixes coletados na região. Os resultados foram apresentados no trabalho de conclusão de curso da discente Ana Clara Rosendo Sousa, natural de Crateús, hoje Engenheira Ambiental e Sanitarista formada pela UFC e atualmente discente do Mestrado Profissional em Rede Nacional em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos (Profágua) onde pretende juntamente com sua orientadora Janaina Lopes Leitinho (UFC-Crateús e Rivelino Cavalcante (LABOMAR-UFC) ampliar os estudos, da nascente no Ceará até a foz do rio Poti no Piauí.
No distrito de Ibiapaba, localizado fora da APA, as espécies mais contaminadas foram a curimatã e o bodó, ambas associadas a hábitos alimentares próximos à várzea do rio. Em Oiticica, a contaminação foi mais distribuída entre as espécies, com o Tucunaré, a Piranha e o Bodó se destacando em diferentes classes de contaminantes. O Risco alimentar sobre a perspectiva do risco de Câncer das pessoas que consomem esses peixes foi avaliado baseado nos critérios da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (USEPA). A pesquisa identificou que a ingestão de apenas 150g/dia de filé de peixe contaminado pode inferir um risco alto à saúde humana. É importante frisar que a porcentagem média de espécies contaminadas na amostragem foi de 22% e as com maior potencial de imprimir o risco de câncer nos seres humanos foram piau, bodó e cangati.
Comparando os dados do boletim epidemiológico de mortalidade por neoplasias malignas (nº 01|19/02/2024) apresentados na Figura 1, para a região norte do estado do Ceará, observa-se que Sobral apresenta uma menor taxa de mortalidade enquanto que Crateús apresenta a maior taxa por 100.000 habitantes. É importante salientar que o câncer pode ser causado por multifatores como tabagismo, consumo excessivo de álcool, exposição solar excessiva, obesidade, sedentarismo, infecções virais, histórico familiar e uma má alimentação.
A Professora Drª Janaina Lopes Leitinho, coordenadora do projeto e do Núcleo Integrado de Pesquisa e Inovação (NIPI) da UFC em Crateús, relata que a alimentação do sertanejo pode não ser um fator único e determinante para a incidência de câncer com culminância de óbitos na região, no entanto, é importante lembrar sobre a segurança alimentar dos povos originários e tradicionais da região, os quais são mais vulneráveis devido o consumo dos peixes. A Professora drª Janaina Leitinho relata, ainda, que as ações governamentais para a redução dos poluentes no rio Poti, no Ceará e no Piauí devem ser urgentes sobretudo pela prerrogativa da proteção das pessoas e da biodiversidade da Área de Proteção Ambiental (APA) Boqueirão do Poti.
Figura 1. Mortalidade prematura entre 30 e 69 anos por neoplasia (câncer) nos anos de 2022 e 2023.

A segunda etapa da pesquisa foi finalizada em agosto de 2025 com a defesa do Trabalho de Conclusão do Curso de Engenharia Ambiental e Sanitária da UFC em Crateús da discente Isadora Brandão Parente com foco na avaliação dos efeitos dos pesticidas triazínicos e organofosforados na saúde de peixes do Rio Poti (CE) nos mesmos pontos de coleta (distritos de Ibiapaba e Oiticica).
Nesta etapa foram avaliados nove espécies de peixes sendo elas: traíra, piau, tilápia, branquinha, piranha, cará preto, tucunaré, bodó e curimatã. Os resultados evidenciaram a presença de atraton, simetrina, malation e clorpirifós característicos de pesticidas usados no lavradio. O Estudo estatístico realizado com a amostragem apresentou níveis semelhantes de contaminantes nos dois pontos de coleta sugerindo que a área de proteção ambiental do Boqueirão do Poti em especial na localidade de Oiticica, encontra-se contaminada de forma similar a área não protegida (Ibiapaba).
A análise dos índices de saúde Gastrossomático (IGI) e Heptassomático (IHS) dos peixes indicam alterações no estado fisiológico e na alimentação, revelando que a contaminação por pesticidas pode afetar o bem-estar das espécies. Esses contaminantes, são capazes de comprometer o sistema locomotor dos peixes afetando a busca por alimentos, prejudicando seu estado nutricional e suas condições corporais. O índice gonadossomático (IGS), principal índice utilizado para estudar a capacidade reprodutiva em peixes, também apresentou alterações indicando mudanças da capacidade reprodutiva de alguns indivíduos estudados. O somatório de alterações negativas associadas ao aumento das concentrações devido a altas temperaturas e evaporação das águas pode ser um fator determinante no aumento do stress da saúde dos peixes, podendo impactar em morte e extinção de algumas espécies nativas as quais são importantes para a diversidade do ecossistema aquático da Caatinga Cearense.
O gráfico apresentado no site Meteoblue (Figura 2) sobre as médias históricas de temperatura nos últimos 40 anos mostram aumento das médias de temperaturas as quais seguem a tendência linear (linha azul tracejada) referente às mudanças climáticas para a região de Crateús. Observa-se na parte inferior do gráfico as faixas de anomalias de aquecimento: Azul escuro para anos mais frios com temperatura média de 26ºC e Vermelho escuro para anos mais quentes com temperatura média de 29ºC. À medida que a cor azul vai ficando mais pálida e a cor vermelha vai se intensificando, indica uma tendência ao aquecimento. Nos últimos 10 anos (2014-2024) às anomalias positivas são mais frequentes, indicando um período prolongado de aquecimento o que pode afetar o bem estar dos peixes na região.
Segundo o professor Drº Rivelino Cavalcante, coordenador do LACOR no Labomar e parceiro desta pesquisa em Crateús, o aumento da temperatura da água pode ter diversos efeitos negativos sobre os peixes, afetando seu metabolismo, respiração, reprodução e aumentando o risco de doenças.
Figura 2. Variação anual de temperatura para a região de Crateús e anomalias nos últimos 40 anos.

A linha Azul tracejada na Figura 3 representa a tendência linear das mudanças climáticas com efeito nas precipitações na região de Crateús segundo o site Meteoblue.com. O gráfico mostra que a Região está ficando com precipitações cada vez menores no decorrer de 40 anos. As faixas na parte inferior da Figura 3 mostram que nos últimos 10 anos os tons de marrom são mais frequentes indicando anos cada vez mais secos. O aumento da temperatura associada a precipitações (chuvas) cada vez menores que a média da região de 731,2 mm, pode intensificar os danos às espécies nativas, principalmente se levarmos em consideração que o leito do rio Poti está cada vez mais raso devido assoreamento tornando-o mais suscetível a evaporação com consequente aumento da concentração de poluentes.
Figura 3. Variação anual de precipitações para a região de Crateús e anomalias nos últimos 40 anos.

Estudos histopatológica do tecido dos fígados, das espécies coletadas, mostraram que a exposição a pesticidas acentuada provocaram alterações do tipo melanomacrófagos, vacuolização e necrose, nos peixes das duas localidades (distrito de Ibiapaba e Oiticica).
A professora Drª Janaina Leitinho relata que a necrose é uma resposta patológica do fígado mais severa pois indica que as células do fígado foram danificadas e não conseguem mais desempenhar suas funções de desintoxicação.
A Figura 4 mostra o registro microscópico de uma necrose encontrada em um dos indivíduos coletados. A exposição prolongada a estes contaminantes pode gerar efeitos crônicos afetando as populações, resultando em perda de espécies e alterações na cadeia alimentar.
Figura 4. Evidência de necrose em um dos indivíduos coletados no estudo.

Segundo o Gestor da APA (Área de Proteção Ambiental) do Boqueirão do Poti, Danilo Maciel, as espécies nativas podem estar ameaçadas de extinção, pois o aumento da concentração dos contaminantes devido às mudanças climáticas são, ainda, agravadas pela presença de espécies de peixes invasoras como o cará tilápia e o tucunaré, predadoras das espécies nativas em várias fases do crescimento. O Gestor relata que nos períodos secos o rio Poti, na porção cearense, forma lagos onde a alimentação fica escassa e as espécies nativas são presas fáceis desses invasores (Figura 5).
Figura 5. Forto do Rio Poti no Ceará, agosto de 2025.

As pesquisadoras Drª Janaina Leitinho e Luisa Gardênia Farias entendem que o monitoramento ambiental é indispensável e deve ser intensificado em todo o percurso do rio Poti, pois além dos poluentes orgânicos, o rio também sofre com a poluição de metais pesados em virtude da presença de mineração, em especial, a mineração clandestina.
A saúde dos peixes não só abala o equilíbrio e a preservação do ecossistema, mas também pode afetar a saúde das pessoas, refletindo em altos custos com a saúde tanto para famílias atingidas como para o município. O aumento de óbitos por câncer na região pode ser um indicativo da ausência de medidas mitigadoras da poluição e por isso é imperativo planejar e executar medidas para a redução de contaminantes.
É importante entender que a necessidade do sertanejo em sobreviver à seca não pode legitimar pesticidas nem uma agricultura que comprometa o futuro de gerações.
Autoria: Janaina Leitinho